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TARDE

          Hoje em dia, é muito difícil alguém ler espontaneamente o livro de poemas, Tarde, de Olavo Bilac, porque muita gente acha a obra de Bilac difícil, com um palavreado antigo. Pode até ser, mas não é nenhum bicho de 7 cabeças. Dá pra ler, entender e, principalmente gostar, se não de todos os poemas, pelo menos de alguns que vão lhe surpreender.

          Começo dizendo que é um livro fininho e não tem nenhum poema longo. Sabe por quê? Porque todos os poemas são sonetos. E vamos lembrar o que é um soneto? É um poema que só tem 4 estrofes. As duas primeiras estrofes têm 4 versos e as duas últimas, 3 versos. Então, quanto à forma, ele é um livro bem quadradinho que obedece a um modelo.

          E para entender o conteúdo dos poemas, nós precisamos antes entender quem foi Olavo Bilac e em qual contexto ele viveu e escreveu.

          Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu e viveu no final do século XIX e começo do século XX. Então é natural que o vocabulário do escritor seja daquele tempo. Além disso, Bilac era um homem culto, era um jornalista, um poeta, um cronista, contista, um homem engajado, inclusive, politicamente. Junto com Machado de Assis e outros escritores fez parte do grupo que fundou a Academia Brasileira de Letras, então ele não era qualquer um. Ele teve reconhecimento em vida e foi, inclusive, chamado dos príncipes dos poetas brasileiros. E, para completar, a letra do hino à bandeira, se você não sabe, é de Olavo Bilac.

          Eu disse tudo isso para dizer a você que você vai sim encontrar nos poemas palavras que você não vai entender o significado, palavras de uma linguagem erudita que um homem preparado como Bilac tinha, mas nada que um bom dicionário não resolva. E, se lhe serve de consolo, até eu mesma, com todas as minhas décadas de leitura e de estudo, tive de recorrer ao dicionário algumas vezes para saber o que algumas palavras mais antigas e de pouco uso significavam. Entretanto, a grande maioria das palavras mais raras você entende pelo contexto.

          Então já sabemos que Tarde é um livro de poemas em forma de sonetos que usa uma linguagem erudita. E a que movimento literário ele pertence? Ao Parnasianismo. Aliás, Olavo Bilac é o principal nome do Parnasianismo. E aqui é a pedra no sapato da maioria dos estudantes que não entende o Parnasianismo e, como tudo aquilo que nós não entendemos dizemos que não gostamos. Então, vamos entender de vez.

         A palavra parnasianismo vem de Parnassus que, na mitologia grega, era o nome do Monte onde morava Apollo e as suas musas, ou seja, era o lugar onde moravam os artistas e a poesia.

          O Parnasianismo foi um movimento que nasceu na França, por volta de 1866, e não teve muita força no Brasil porque ele aparece junto com dois outros movimentos que vão liderar as letras que eram o Realismo e o Naturalismo. Para o parnasianismo, o importante era a forma, eles buscavam uma linguagem mais erudita, mais culta, rimas que fossem raras, enfim, a forma perfeita. O escritor também não deveria se colocar, eles buscavam a impessoalidade e ausência do sentimentalismo. Dessa forma nunca vamos ver um poeta parnasiano morrer de amor. Existe uma distância, uma frieza entre o texto e o autor. O poeta parnasiano acreditava que escrever era muito mais um trabalho de construção milimétrica do texto do que de inspiração. Não podemos esquecer também que o parnasianismo vem depois do romantismo e se opõe a ele, justamente por não aceitar a espontaneidade, o sentimentalismo do romantismo.

         Outra coisa que é preciso saber é de que não existe texto em prosa que seja parnasiano. Todo texto parnasiano é um poema.

         Agora voltemos ao livro. Se Olavo Bilac é considerado o principal poeta parnasiano da literatura brasileira, seu livro Tarde é considerada a sua principal obra porque é uma obra da fase madura de Bilac. Ele foi lançado, inclusive, depois da morte de Bilac e os 98 poemas, todos sonetos como eu já disse antes, foram os últimos escritos do poeta, nos quais ele vinha trabalhando há bastante tempo.

          Os temas dos poemas são justamente aqueles da proximidade da velhice, do crepúsculo e por isso se chama Tarde. Como se a vida já estivesse se encaminhando para o anoitecer, para a morte. Então serão poemas mais nostálgicos, mais reflexivos, quase que um balanço da vida e que vão falar da pátria, dos grandes acontecimentos da história brasileira, mas também do amor e da beleza feminina.

         A própria epígrafe em italiano é um texto de Dante Alighieri que fala da existência, como um arco, tem um movimento ascendente, seguido de um movimento descendente.

          Obviamente, não conseguiremos analisar aqui todos os poemas, mas vamos pegar dois de exemplo e você deve ler e analisar os outros, tomando por base tudo que já falei.

         O primeiro poema escolhido foi A um Poeta, no qual Bilac ensina justamente como deve escrever um poeta parnasiano. Diz assim:

Longe do estéril turbilhão da rua,

Beneditino, escreve! No aconchego

Do claustro, na paciência e no sossego,

Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego

Do esforço: e a trama viva se construa

De tal modo, que a imagem fique nua,

Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício

Do mestre. E natural, o efeito agrade

Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,

Arte pura, inimiga do artifício,

É a força e a graça na simplicidade.

          E o que ele quer dizer com tudo isso.? Que escrever um poema deve exigir um grande trabalho do poeta no sossego do seu lar. Que ele deve ter paciência, construir a escrita como se fosse um templo grego, mas não deixar nunca que o leitor perceba esse trabalho minucioso que deve parecer bonito e simples.

         Também vai haver no livro vários poemas sobre crepúsculo e um  poema que dá bem o tom de declínio da vida que Bilac queria expor é O crepúsculo da Beleza. Diz assim:

Vê-se no espelho; e vê, pela janela, 

A dolorosa angústia vespertina:

Pálido, morre o sol… Mas, ai! Termina

Outra tarde mais triste, dentro dela;

Outra queda mais funda lhe revela

O aço feroz, e o horror de outra ruína:

Rouba-lhe a idade, pérfida e assassina,

Mais do que a vida, o orgulho de ser bela!

Fios de prata… Rugas… O desgosto

/Enche-a de sombras, como a sufocá-la

Numa noite que aí vem… E no seu rosto

Uma lágrima trêmula resvala,

/Trêmula, a cintilar, – como, ao sol-posto,

Uma primeira estrela em céu de opala…

          Claramente, é uma mulher observando o seu envelhecimento no espelho e a tarde chegando dentro dela, matando não apenas a sua beleza, mas o orgulho de ser bela. E, por isso, ela derrama uma lágrima que vai se transformar em uma estrela no céu de opala. Lembrando que opala é uma pedra azul que, quando exposta à luz, adquire várias colorações de tons de azul, por isso, o poeta escolheu justamente essa pedra e não outra qualquer.

             Então vamos relembrar:

       Tarde é um livro do movimento parnasiano. Fala do momento da tarde que é o crepúsculo da vida. Quando a vida começa seu movimento descendente em direção à velhice e à morte. São poemas que obedecem a uma forma fixa. São sempre sonetos e muito bem trabalhados com um vocabulário culto e rimas ricas. 

Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=iiFMVbHhoCY

FICHA TÉCNICA

Título Original – Tarde

Edição Original – 1918

Edição utilizada nessa resenha: 2021

Editora Principis - Jandira-SP

Páginas: 96

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