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        TEIA DE ARANHA

          Anda cansada. Extremamente cansada. Do quê? De tudo. Dessa vida sem graça, desse desamor que grita todos os dias e ela finge não ouvir. Continua teimando em não enxergar o que se escreve diariamente à sua frente, em grossas letras fosforescentes.

        Cada vez entra mais fundo nessa teia de aranha, nessa caverna sem luz, nesse labirinto de obrigações, nas quais se perde, perde o caminho, perde o desejo, perde os anos. Parece que deve tudo a todos e tão pouco a si mesma.

          Não fica mais nova a cada dia. Sente a vida escorrer pelos seus dedos e ela assistindo, inerte. É formada em covardia, com louvor. É incapaz de largar a margem, subir na canoa e ver o que há do outro lado do rio. Fica ali, do lado seguro, olhando o verde que lhe atrai, mas o rio a assusta. Tem medo da correnteza, das quedas d’água, de morrer afogada sem alcançar o verde.

         Caminha, ao longo da margem, procurando um trecho mais estreito de rio, entretanto, quanto mais procura, mais tem a sensação de que o rio se alarga, se torna mais caudaloso, mais desafiador. Ela e o rio em uma batalha de décadas, em que perde um pouco mais a cada dia.

     Muitas vezes deseja uma enchente, uma enorme enchente que transborde o rio, que acabe com as parcas plantações, que a faça refém e lhe arraste para o outro lado, sem que ela consiga evitar, sem que consiga salvar um único grão, sem que consiga pensar. Mas a enchente não vem. Não aprendeu nada com Riobaldo e Diadorim.

          Por mais quanto tempo terá força para remar? Ela não sabe. Haverá um momento em que nem todas as canoas conseguirão lhe levar para o outro lado, ou, simplesmente, não existirão mais canoas. Como uma janela que se fecha para sempre.

         A aranha a olha sem se mover. Pronta a lhe engolir, espera, cautelosa, que ela dê o próximo passo, ou não, talvez até a aranha tenha se cansado de sua inércia, da carne que se tornou velha e nem valha seu próximo bote.

                          São Paulo, 12 de janeiro de 2021.

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