Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
TREZE LETRAS
Ele discursou com voz embargada. Por mais que estivesse esperando por aquele momento durante anos, não lhe parecia tão bom naquele instante. Os colegas de trabalho haviam organizado uma festa, com direito à placa comemorativa, presente e muitas falas. Ele não conseguia prestar atenção a nenhuma delas.
E se pudesse voltar atrás? Dizer que tinha sido tudo uma brincadeirinha. Que não queria mais.
Que absurdo! Claro que não! Não iria passar essa vergonha!!
Apesar de tanta idade, estava sendo imaturo. Olhava em volta. Todos aqueles sorrisos pareciam estar felizes por ele ir embora. Que bobagem pensar isso! Não estavam felizes por ele ir embora, estavam felizes por ele poder ir embora. É muito diferente.
Deveria estar se divertindo na sua festa de despedida. Mas nunca gostou de despedidas. Aquele sentimento esquisito que lhe pressionava o peito, como se fosse quebrá-lo, era compreensível. Afinal, foram quarenta anos.
Aposentadoria é uma palavra longa. 13 letras. Dizem que o número treze é o número do azar. Será? Todas essas coisas passavam desordenadas por sua cabeça e ele não conseguia controlar. Respirou fundo e acalmou a mente. Afinal, não estava parando de trabalhar, só estava dando uma grande guinada, quase cento e oitenta graus. O desconhecido não tem rosto e pode ser qualquer um. Era isso que lhe assustava. Ainda não conhecia os novos nomes, ainda não tinham sido apresentados.
Olhou a porta. A porta de saída era a mesma da chegada. E parecia que tinha sido ontem. Um jovem inexperiente, inseguro, no seu primeiro emprego. Entrou com muitos cabelos negros, saía com poucos cabelos e agora brancos. Os cabelos ficaram no caminho, mas quantas coisas lhe adicionaram à alma. Naquele porto, aprendeu, construiu, ensinou e nesse momento, abria espaço para que outros atracassem. Era o ciclo. Ele sempre fez parte da grande roda. Ninguém lhe enganou.
Quando a festa terminou, as despedidas acabaram e ficou sozinho esvaziando sua mesa, não pode evitar uma maldita ou bendita lágrima. Coube tudo em uma caixa grande de papelão, mas ninguém conseguiria ver tudo que ele levava consigo. Tinha tido a sorte de trabalhar muito, a honra de trabalhar com tantas pessoas geniais, e o prazer de trabalhar com aquilo que encantava seus olhos. Era muito. Não podia reclamar.
Ainda olhou mais uma vez a sala vazia, antes de apagar a luz. Estava apaziguado consigo mesmo.
No corredor, enquanto atravessava tantas portas abertas e fechadas, fez novos planos para a nova janela. E sorriu!
SP 20/12/2022